Neste ano, o Supremo Tribunal Federal assentou – espera-se – a última pedra relacionada as discussões sobre a impenhorabilidade do bem de família do fiador, pessoa que figura como garantidora do pagamento dos aluguéis e acessórios em contrato de locação.
É verdade que a Lei 8.009, de 29 de março de 1990 e, portanto, há mais de trinta anos – dispôs sobre a impenhorabilidade do bem de família, com o objetivo de garantir, já sob a ótica da Constituição Federal de 1988, o atendimento aos direitos fundamentais à dignidade humana e moradia, prevendo a Lei poucas hipóteses de exceção, isto é, em que se autorizará a penhora do bem de família, em qualquer processo de execução civil, fiscal previdência, trabalhista ou de outra natureza.
Também verdadeiro que a Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, incluiu no artigo 3º, inciso VII, da Lei de Impenhorabilidade a possibilidade de penhora do imóvel residencial do fiador em virtude de obrigação por ele contraída, decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
É ainda para nós induvidoso, ao menos por interpretação literal da Lei, que o legislador não limitou a garantia e a penhorabilidade apenas às locações residenciais, de modo que não existia óbice, ao menos em tese, para a penhorabilidade do imóvel residencial do fiador em decorrência de garantia prestada em contrato de locação não residencial.
Mas, de toda forma, por muitos anos se construiu as mais diversas teses e antíteses sobre a possibilidade ou impossibilidade de penhora do bem residencial do fiador, seja em virtude do objeto do contrato de locação, seja por se compreender – aqui respeitado o entendimento, pois verdadeiro em dezenas de casos – que a penhora do bem de família do fiador representaria, a depender da conjugação de outros elementos de fato, prejuízo sensível à dignidade do devedor e de sua família.
Essas teses, considerando que eram fluídos os entendimentos sobre a matéria em diversos Tribunais dos Estados, como também da Justiça do Trabalho e Justiça Federal, acabaram por desaguar no Superior Tribunal de Justiça.
Essa insegurança jurídica, consistente na flutuação do entendimento a depender do julgador e Tribunal em que discutida a matéria, causou – claro, não se pode ignorar – sensível desestímulo quanto à adoção de fiança em contratos de locação, passando-se a se buscar outras formas de garantia da dívida.
E, convenha-se, essa postura é absolutamente natural e compreensível, pois não raro o credor necessita do valor dos aluguéis para sua sobrevivência, daí a não poder aguardar que o devedor maneje todos os recursos cabíveis e arraste a discussão sobre a penhorabilidade por anos a fio, como era bastante comum até aqui.
A esperança dos credores, no entanto, reacendeu quando o Superior Tribunal de Justiça, após o julgamento de centenas ou milhares de casos similares e anos de discussão sobre o tema em diversas ações, acabou por consolidar o entendimento, firmando tese em julgamento de recurso repetitivo (Recurso Especial 1.363.368/MS), de que “é legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990″. O entendimento acabou ainda sumulado, sob número 549, em 19 de outubro de 2015.
Sem prejuízo, como se afirmou anteriormente, ainda havia teses e antíteses a debelar no Poder Judiciário, não ajudando o Supremo Tribunal Federal a refreá-las quando, no julgamento do recurso extraordinário 605.709/SP, sua Primeira Turma afastou a penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato comercial.
A partir daí – embora esse entendimento tenha sido posição isolada da Corte, como, em 2019, reconheceu o Ministro Alexandre de Moraes –, os defensores da impenhorabilidade ganharam novo ânimo e não tardaram a recrudescer as mais diversas teses sobre a garantia em contratos de locação, com discussões acirradas acerca de diferentes entre a locação residencial e comercial, flutuando a jurisprudência e a doutrina, um tanto mais, quanto à conclusão que se devia adotar e, uma vez mais, a insegurança jurídica reinante fez com que se diminuísse o número de fianças prestadas em contratos de locação, preferindo-se a adoção de fórmulas menos problemáticas e, permita-se dizer, traumáticas.
O assunto, ao sabor das mais diversas interpretações construídas ao longo de décadas, voltou a desaguar no Supremo Tribunal Federal, desta vez de maneira definitiva, isto é, em julgamento a que a Corte deu repercussão geral.
E, em 08 de março, entendeu o Plenário, por 7 (sete) votos a 4 (quatro), que é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contratos de locação residenciais e comerciais, isto é, a exceção prevista no artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/1990 não viola a dignidade humana ou o direito de moradia e se aplica a qualquer contrato de locação, independentemente da destinação do imóvel para fins residenciais ou comerciais (Tema 1.127, Recurso Extraordinário 1307334).
Favorece-se, desta forma, a autonomia de vontade do fiador que, de forma livre e espontânea, garante o contrato e, portanto, tem o conhecimento – ou deveria ter – de que o seu imóvel residencial pode ser chamado a responder pelo pagamento da dívida decorrente do contrato de locação pois agora, ao menos que novas teses surjam para revolver matéria tão batida e debatida nos Tribunais, parece definitivo que “é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.
Diego Meneguelli Dias, graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2012), pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Direito Empresarial e em Direito de Família e Sucessões, é o sócio da Ferreira e Santos Advogados responsável pelas áreas de direito de família e sucessões, direito imobiliário e direito societário.