Ferreira e Santos Advogados

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Lei da alienação parental: Novos instrumentos em defesa dos filhos

Atualizado em 27/05/2022 às 08:14

Afirmamos, em artigo anterior, que “a manutenção de laços de afetividade duradouros entre casais se tornou exceção, por serem os relacionamentos incluídos na relação de bens de consumo, destinados a fornecer satisfação momentânea e substituível”. Mas, em muitos casos, esses relacionamentos produzem frutos, eles sim, não passíveis de substituição: os filhos. A ruptura da “conjugalidade” não é, pois, ruptura da “parentalidade”, pois necessário preservar os interesses dos filhos, permitindo que continuem a conviver com o genitor que se distancia.

Para atender a essa necessidade é que a Lei da Alienação Parental (Lei n. 12.318/2010) se constituiu em grande avanço na defesa do resguardo da prole e da própria “parentalidade”, uma vez que se cominam sanções a quem interfira na formação psicológica da criança ou do adolescente “para que repudie genitor ou cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Havendo indícios de alienação parental, o Juiz determinará medidas para que se preserve a integridade psicológica da vítima, inclusive para assegurar a convivência com o genitor afastado ou viabilizar a efetiva reaproximação entre eles.

Estes são, de maneira geral, os pilares que fundamentam a Lei da Alienação Parental, a desestimular, embora tristemente frequente, que, sem compreender ou internalizar o necessário “luto” da separação, um genitor acabe por colocar o filho como “objeto” do litígio contra o outro genitor. Com o perdão pela comparação, há casos em que os pais entram em prolongada guerra (judicial) e os filhos, por assim dizer, acabam transportados de uma trincheira para outra.

É que, quase sempre de maneira inconsciente, um genitor atribui ao outro a culpa pela quebra da vida comum e, como esse “outro” foi mau “amante” (para abranger cônjuges, companheiros, namorados etc.), presume-se que também seja um mau pai/mãe. Ora, sob o campo da razão, mau “amante” não necessariamente significa mau “pai/mãe”, como também não significa que seja “má pessoa”. Mas, nesses processos, a razão é quase sempre subjugada pela emoção e assim o “outro”, culpado pelo insucesso da relação, é um “mal” que deve ser afastado: “se fez mal a mim, fará ao filho”.

Nos casos de alienação parental, essa “maldade” do “outro” acaba sendo incutida na ideia da criança ou do adolescente até que esse filho comece a acreditar, até mesmo por um instinto, que o melhor é se afastar do seu outro genitor. São práticas que a Lei chama de “campanha de desqualificação” do pai ausente. Imagine-se que o filho encontre a mãe chorando e, a perguntar a que se deve o choro, ela lhe responda “é seu pai, que não presta”. Imagine-se que o pai, ao sair com a filha em um final de semana, compre para ela uma dúzia de quinquilharias de que ela muito goste e, após, faça singelo comentário de que “o papai é legal e te dá presentes, sua mãe é uma chata que só te dá bronca”.

Agora imagine que essa situação ocorre não só uma, mas algumas vezes. São exemplos, é claro, de situações que talvez até pareçam banais para o leitor, mas que, na “cabeça” de uma criança ou adolescente de tenra idade, em que ainda se formam no intelecto conceitos básicos (que os guiarão por toda a vida), possam gerar o impacto que a Lei corretamente diz ser abuso moral e prejudicador da realização de afeto.

Há também outros atos de alienação parental ainda lamentavelmente comuns. Quem nunca ouviu falar de um pai que, após a separação, mudou-se com o filho para cidade distante e até para outro país? Ou da mãe que sempre apresenta (falsos) argumentos para que o pai não esteja com a criança no “dia das visitas”? “Hoje está doente; amanhã tem festa do coleguinha; próximo sábado vamos viajar”, etc.

São atos que, a depender do contexto, da forma de prática, de prova (inclusive pericial) e de convicção do Juiz, podem caracterizar alienação parental. E é aqui que, após discorrer (longamente, reconhecemos) sobre o que já existe na Lei desde 2010, que entra a novidade que se quer explicar neste artigo.

Ao longo da pandemia de Covid-19, em que se intensificaram problemas de convivência e financeiro, além de casos de violência doméstica, os processos de alienação parental dispararam: o Conselho Nacional de Justiça registrou em 2020 um crescimento de 171% de casos em relação ao mesmo período de 2019.

Em assunto que já preocupa, esse aumento de casos “acendeu a luz vermelha” e, então, voltou o legislador a questionar se a Lei existente, embora bem enraizados seus conceitos, atendia ou não à necessidade de rápida apuração dos fatos e de se resguardar, tanto quanto possível, o contato entre o filho e o genitor que alguém quer afastar. Assim, após processo legislativo, entrou em vigor, no último dia 18, a Lei n. 14.340/22, que altera em parte a Lei da Alienação Parental e o Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer, modo geral, série de procedimentos adicionais em defesa dos filhos.

Será assegurado à criança ou adolescente e ao genitor a garantia mínima de visitação, mesmo que as circunstâncias indiquem a necessidade de acompanhamento e assistência, caso em que essas visitas ocorrerão nas dependências dos fóruns ou em entidades conveniadas do Poder Judiciário, ressalvados, claro, os casos em que exista risco já constatado de prejuízo à integridade física ou psicológica do filho.

A Lei ainda determina que as crianças e adolescentes, se necessário, devem ser ouvidas, respeitada sua condição e suas capacidades, sob pena de nulidade. Além disso, se houver indícios da prática de alienação parental, deve ser determinada perícia psicológica ou biopsicossocial dos envolvidos, conduzida por serventuários ou profissionais nomeados pelo Juiz e, uma vez constatada a prática, o acompanhamento deve ser periódico, em diversas sessões, com emissão, pelo menos, de laudo inicial e laudo final.

Supera-se, assim, a visão estática que se demonstrava, no mais das vezes, em laudos que se elaboraram em única assentada, em que alguns profissionais conseguiam avaliar, em não mais que trinta minutos, as condições de apresentação da criança ou adolescente, sua rotina, a exteriorização de seus sentimentos e percepções, como também eram ouvidos os pais, relatando em curto intervalo de tempo o histórico do relacionamento e da separação, os eventos que entre eles tenham ocorrido. Até aqui – não raro – se traçava um estudo dos envolvidos em uma só colheita de dados, com poucos testes e em curto espaço de tempo.

Essas mudanças, a nosso ver, trarão para mais perto do julgador os envolvidos na situação de (alegada) violação a que ele foi chamado a decidir, sem perder de vista a urgência e a celeridade com que devam ser resolvidas as questões de interesse dos menores, mas agora tendo elementos mais atualizados da situação para que analise, entre uma entrevista e outra, a evolução ou involução do quadro constatado e se possa enxergar horizonte mais favorável para a criança e adolescente, em que se supere a violação de seus direitos enquanto seus pais ainda se encontram em voluntária declaração de guerra.

 

 

Diego Meneguelli Dias, graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2012), pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Direito Empresarial e em Direito de Família e Sucessões, é o sócio da Ferreira e Santos Advogados responsável pelas áreas de direito de família e sucessões, direito imobiliário e direito societário.

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