Encontra-se em vigência, desde 27 de junho de 2022, a Lei n. 14.382, que moderniza e simplifica os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos de que trata a Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos). Entre suas disposições, causou maior alvoroço o artigo 11, que alterou os artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos para permitir, em alguns casos, a alteração do nome diretamente em Cartório.
A matéria é relevante, claro, pois o nome é um atributo da personalidade, servindo não só como mecanismo de identificação do sujeito perante a sociedade, mas também para atender ao direito à identidade pessoal, de onde decorrem aspectos significativos da potência intelectiva (inteligência, liberdade, dignidade) ou sensitiva (autoestima, memória) de cada ser humano.
São elementos fundamentais do nome: o prenome, que pode ser simples ou composto, escolhido livremente pelos pais, desde que não exponham o titular ao ridículo; e o sobrenome, também chamado patronímico ou apelido, indicativo da origem, família e estirpe da pessoa, que pode ser formado pelos sobrenomes de família do pai, da mãe ou de ambos.
Até novembro de 1998, dizia a Lei de Registros Públicos que o prenome era “imutável”; a partir de então, o prenome passou a ser dito “definitivo”, embora fosse possível alterá-lo, por ordem judicial, em casos bastante excepcionais, como exposição ao ridículo ou proteção de vítima ou testemunha de crime.
O sobrenome também podia ser alterado, na prática, de forma bastante burocrática: com exceção dos casamentos e divórcios, em que se mostrava mais comum a alteração ou acréscimo de sobrenome, outras mudanças eram bem mais complexas e dependiam de autorização judicial, como a inclusão de outros sobrenomes familiares, a inclusão ou exclusão do sobrenome do cônjuge, após a celebração do casamento e na sua constância, bem como a exclusão do sobrenome do ex-cônjuge após a separação ou divórcio se, após esse ato, o cônjuge se arrependesse de ter escolhido manter aquele patronímico.
Tudo, claro, se lastreava no princípio da imutabilidade do nome, cuja exceção apenas se alcançava, nos casos acima descritos, por ordem judicial. O fundamento básico para que assim se procedesse era, em linhas gerais, não só o fato de que o nome é instrumento de identificação do sujeito, mas também para proteger terceiros com quem esse sujeito tenha mantido relações de fato ou de direito. Ainda em linhas gerais, até aqui, para se alterar o nome com autorização judicial, era necessário, além de indicar expressamente o porquê do desejo ou necessidade de alteração, apresentar ao Juiz as certidões negativas de débitos, antecedentes criminais e de processos do interessado, de modo que se pudesse concluir que a alteração ali requerida não viria a prejudicar terceiros.
Agora, porém, a Lei de Registros Públicos foi alterada pela Lei n. 14.382/2022, admitindo-se a alteração do nome – prenome e/ou sobrenome – do maior de 18 anos, uma única vez, diretamente em Cartório de Registro Civil, independentemente de prazo, motivação, gênero, juízo de valor ou de conveniência, nos seguintes casos: inclusão de sobrenomes familiares; inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento; exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas (divórcio ou óbito do cônjuge, por exemplo); e inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alterações das relações de filiação.
Importante esclarecer, para contrariar o que algumas vozes antecipadamente disseram, que a Lei não permitirá as alterações de nome que rompam de forma absoluta a identificação civil do sujeito, em que se inclui o indicativo da origem, família e estirpe da pessoa, que pode ser formado pelos sobrenomes de família do pai, da mãe ou de ambos. Portanto, o fato de permitir, em alguns casos, alterações no nome não significa que uma pessoa, aqui exemplificativamente chamada “Manuel Bandeira”, obtenha em Cartório a autorização para doravante se chamar “Fernando Pessoa” (exceto, claro, se tiver, antecessores com esse sobrenome).
Assim, não se romperá o indicativo de origem da pessoa, nem se descuidará da proteção aos terceiros, que já era objeto da norma anterior, uma vez que em Cartório continuará sendo necessária a apresentação de documentos pessoais, comprovante de endereço e as certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência, bem como das certidões de execução criminal estadual e federal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Os documentos serão avaliados pelo Tabelião, evitando-se, assim, a alteração de nome caso exista suspeita de vício de vontade, fraude, falsidade, má-fé ou simulação.
Imagina-se, como ocorreu em outros procedimentos extrajudiciais – em que a jurisprudência dos Tribunais e as decisões do Conselho Nacional de Justiça acabaram alargando o rol de possibilidades de manejo do inventário em Cartório –, que progressivamente a jurisprudência também se amoldará para permitir, em outros casos, a alteração diretamente no Cartório. Exemplo disso é a decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADI 4.275, de 2018, que permitiu aos transgêneros/transexuais o direito de requerer a substituição do prenome e sexo em Cartório de Registro Civil, independentemente de cirurgias ou tratamentos.
Mas, por enquanto, o que se tem é que, com a mudança da Lei, para os casos acima a alteração não mais depende de processo judicial, podendo ser executada diretamente pelo interessado no Cartório de Registro Civil. O custo do procedimento, tabelado por Lei, varia de acordo com o Estado e, ainda, com a alíquota do ISS (Imposto Sobre Serviços) de cada Município.
Para todos os demais casos, dentre os casos se destacam a exclusão de sobrenomes familiares, as alterações de nomes de menores, a alteração de nome de vítima ou testemunha de crime e os casos em que o Tabelião justificadamente recusar a alteração em Cartório, dependerão de autorização judicial, em procedimento de que necessariamente participará o Ministério Público como fiscal da Lei.
Diego Meneguelli Dias, graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2012), pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Direito Empresarial e em Direito de Família e Sucessões, é o sócio da Ferreira e Santos Advogados responsável pelas áreas de direito de família e sucessões, direito imobiliário e direito societário.