Em virtude da pandemia do COVID-19 e a necessidade de medidas restritivas como fechamento dos comércios e distanciamento social, o número de compras online no Brasil aumentou em 41% no ano de 2020, e com isso cresceu a necessidade de os consumidores entenderem os seus direitos diante de compras realizadas pela internet.
O direito de arrependimento está previsto no Art. 49 do Código de Processo Civil, que diz:
“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”
Ou seja, o consumidor pode se arrepender de compras realizadas fora do estabelecimento físico do fornecedor, o que abrange: i) vendas externas, quando o fornecedor se dirige até o local que o consumidor se encontra; ii) contratações feitas por telefone ou telemarketing; iii) compras feitas por correspondências; iv) compras realizadas em sites e-commerces na internet.
O direito de arrependimento pode ser exercido em até 7 (sete) dias a partir do recebimento do produto ou assinatura do contrato e início da prestação de serviços, tendo o consumidor esse prazo para refletir sobre sua compra, que muitas vezes pode ter sido feita por impulso ou mediante influência de publicidades.
É importante ressaltar que o direito de arrependimento é potestativo e irrenunciável, o que significa dizer que não admite contestações e não se pode abrir mão dele. Também é, consequentemente, um prazo decadencial, ou seja, é um direito que irá se perder se não for exercido dentro do prazo legal.
O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor ressalta que um contrato que preveja a vedação do exercício do direito de arrependimento é considerado abusivo, como podemos ver em seu inciso II do parágrafo 1º.
A respeito dos contratos realizados de maneira virtual, o governo federal editou o Decreto Presidencial de nº 7.962/2013, que reforça, em seu artigo 5º, que as informações a respeito do direito de arrependimento devem ser transmitidas de forma ostensiva ao consumidor, se utilizando de meios claros e eficazes.
Pode ser exercido de qualquer maneira disponível, seja por telefone, e-mail, correio, entre outros, inclusive pelo meio usado para contratação, e assim que exercido, o fornecedor deve restituir imediatamente todos os valores pagos.
Ainda, o parágrafo único do referido artigo faz a ênfase que qualquer custo eventualmente pago ao exercer o direito de arrependimento, deverá ser arcado pelo próprio fornecedor.
Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o ônus das despesas com devolução é do comerciante, de acordo com o a ementa do REsp. 1.340.604, que diz:
“Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor neste tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (internet, telefone, domicílio).”
No mesmo entendimento, afirma o STJ que aceitar o contrário seria uma limitação ao direito de arrependimento, e desestimularia o comércio fora do estabelecimento, tão comum hoje em dia.
O direito do consumidor é pautado pelo princípio da boa-fé, onde encontra seu limite, tendo que trazer equilíbrio para ambas as partes.
Como forma de manter esse equilíbrio no momento de pandemia, o Governo Federal promulgou a lei 14.010/20, que limita o direito de arrependimento ao consumo de delivery e medicamentos. Se trata de norma de caráter transitório e emergencial que visa ajustar algumas relações jurídicas de direito privado à realidade atual, e esteve vigente até a data de 30/10/2020.
Contudo, tendo em vista que o estado de crise que se instaurou em todo país e no mundo em razão da pandemia do COVID-19, existe discussão jurídica de que o art. 49 do CDC permanece relativizado em relação ao art. 8º da referida lei.
No que tange ao direito de arrependimento na compra de passagens aéreas, temos a resolução nº 400/2016 da Agência Nacional da Aviação Civil, que prevê em seu artigo 11 que o consumidor terá 24 horas para exercer o seu direito de arrependimento, desde que a compra da passagem tenha sido feita na antecedência mínima de 7 dias antes da data de embarque.
Essa norma representa um retrocesso e antinomia em relação ao art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, já que este representa uma lei que alcança todas as relações contratuais e extracontratuais que se incluem no mercado de consumo, inclusive àquelas que tem regulações específicas.
Em razão do critério hierárquico, deve-se entender que o prazo de 7 dias do CDC será aplicado para compras de passagem aéreas realizadas pela internet, enquanto o art. 11 da resolução nº 400/2016 da ANAC será aplicada para compras realizadas no próprio ambiente físico da empresa aérea, já que não há legislação específica a respeito disso.
Como forma de trazer grandes mudanças ao direito de arrependimento, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 281 de 2012, que pretende incluir nove parágrafos ao artigo 49 do Código de Defesa do consumidor, ampliando as possibilidades para exercer esse direito.
Como exemplo, podemos citar que o consumidor poderá exercer o direito de arrependimento em prazo diferenciado no caso de compras de passagens aéreas em razão das peculiaridades desse contrato, e tal prazo deverá ser definido em norma das agências reguladoras.
Outra de suas mudanças é o envio de um formulário para que o consumidor consiga exercer o direito de arrependimento com mais facilidade, o dever de o fornecedor explicitar “de forma clara e ostensiva, os meios adequados, facilitados e eficazes disponíveis para o exercício do direito de arrependimento do consumidor”, além de diversas outras modificações.
Por mais que a PL 281/2012 traga melhoras para o exercício do direito de arrependimento, principalmente no meio eletrônico, ele deixa de abordar algumas questões importantes como o prazo para que o consumidor devolva o produto, o prazo para reembolso, e a quem recairá tais despesas de devolução.
Giulia Cerquetani, graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Pós-Graduanda em Direito Internacional pelo CEDIN (Centro de Estudos em Direito e Negócios), advogada da Ferreira e Santos Advogados atuante na área cível.